Nossa saga pelo Do Amor começou com uma sala de aula e uma pelada depois da escola, passou pelo surgimento e desaparecimento de um Carne de Segunda que desde então já se mostrava promissor, foi para os percursos solos dos meninos até que decidissem aceitar que têm que tocar juntos, fez uma curva em discussões sobre como se portar diante do mercado e da arte até entrar, propriamente, no Do Amor na estrada, com a cara no mundo a sério e o desafio de ir além da banda engraçadinha e cultuada que fizeram no fim da adolescência, e de não ser atrapalhado pelo sucesso individual dos integrantes. Agora, a epopéia termina leve, com Marcelo Callado e Gustavo Benjão explicando direito que papo é esse de que ouvem de tudo, se esse tudo não tem rap, tem pouco de música eletrônica, não tem momentos eruditos, etc, etc, etc. Ouvir de tudo, pra mim, tinha caído em desuso junto com as cantoras ecléticas que proliferaram dez anos atrás. Fim da saga, agora é acompanhar ao vivo o que eles ainda têm dizer. De mais a mais, no que se refere aqui ao sobremusica, um papo que acaba em Paralamas é um papo que acaba bem.

sobremusica: Eu lá atrás, quando tava falando de Carne de Segunda, eu perguntei o que vocês ouviam, onde iam buscar referências e tal. E agora eu acho que a pergunta vale de novo: o que vocês ouvem pra ser o Do Amor. Não é Queen pelo Freddie Mercury… [MC: Não.] …e não é Maiden com o… [Marcelo Callado: Iron Maiden é.] …com o cara que canta pra caralho.
MC: O Bruce Dickinson. Mas esse cara [o Benjão] sabe de cor, o [Gabriel] Bubu sabe todas as músicas do Iron Maiden da vida. Foi a primeira música que a gente ensaiou. O cara tem Iron Maiden no sangue.

sm: Então deixa eu refazer a minha pergunta. Hoje em dia, no mundo, você vê muitas bandas com umas mesmas poucas referências, imitando The Cure na hora de cantar [MC: Eu não!], imitando Freddy Mercury, e acho até que o Bruce Dickinson também. Nêgo tá requentando.
MC: Sim, essas bandas de hard rock.

sm: Cara, desde Interpol até, sei lá, Black Kids. Sempre é o the Cure, o Freddie Mercury, e tal. E vocês na hora de formar o repertório, o que tá passando na cabeça de vocês, quais são as idéias.
MC: Desde pequeno a gente sempre ouviu de tudo, é sério, não é babaquice de a gente é legal, blééé, a gente ouviu de tudo mesmo. Uns ouvem umas coisas mais do que outros.

sm: Mas ouvir de tudo significa gostar de tudo?
MC: Não, significa não gostar de várias. Eu não gosto de várias coisas. Se bobear, eu não gosto de mais várias coisas do que eu gosto. Mas estar aberto a todo tipo de música. Por exemplo, eu não ouço tanto metal. Mas tem umas coisas de metal que eu acho muito boas. Mas aí o Gabriel gosta, e o Gustavo gosta. E eles trazem muito mais a referência metal pra banda do que eu. E isso com outras coisas diversas. Por exemplo, o Gustavo se liga em coisas africanas direto. É PhD em África.
Gustavo Benjão: Gosto pra caralho.
MC: Ele que carrega mais essa coisa de música africana pra banda.

sm: É mesmo? Mas o que é música africana? Porque um Fela Kuti é muito diferente de um Youssou N’Dour.
MC: O cara não ouve tudo, não.
GB: É, são vários países, mas eu gosto de tudo. Desde o afro beat até música do Saara.
MC: Música do Camarões. Dos pigmeus lá do Camarões, não é?
GB: Até gospel da África do Sul, sabe? Que é a Lady Smith Black Mambazo. É um coro gospel. Eu gosto de muita coisa. Mas também tem muita coisa que eu não gosto.
MC: E assim, o Gustavo ouve mais isso. Mesmo. Pesquisa mais. E compõe umas músicas que têm a ver com isso. Mas não quer dizer que a gente não ouça também. Eu adoro.
GB: O Bubu, por exemplo, é um cara que saca muito de axé dos anos 80. Reflexos, coisa e tal, ele saca. Eu também saco, mas ele tem um monte de outros discos que eu não tenho, sabe?
MC: O Gabriel tem ouvido muito banda de hoje em dia, cara. Ele tem ido muito atrás dessas coisas: Datarock, Cansei de Ser Sexy, ele tem escutado direto. A banda que teve aí agora, vocês [sobremusica] viram o show: LDC… LCD Soundsystem.
GB: Showzaço.
MC: E eu fico com a velharia, pego todos os branquelos.
GB: Naaa, mas tu gosta de Vampire Weekend.
MC: Mas é a única…
GB: Foi tu que me falou [dela]…
MC: Fui eu que falei, mas porque o Gabriel me mostrou. Mas eu gosto mais das coisas mais tradicionais, tipo… Não é que eu goste mais, todo mundo gosta disso, mas é que eu ouço mais… Bob Dylan, Beatles, fico nessa porrinhola desses caras. Sempre. Aí o Ricardo [Dias-Gomes] gosta de outras coisas, gosta muito de pós-punk. Essa pilha assim… Mas enfim, todo mundo gosta das mesmas merdas. Cada um tem mais influências que outros…

sm: Agora é engraçado, porque você só falou de coisa fora do Brasil.
MC: Não.
sm: Eu não falei que vocês não ouvem música do Brasil…
MC: Não, a gente ouve muita música brasileira. Porra, ouve Mestres da Guitarrada, ouve Pinduca, ouve Caetano Veloso, ouve Gilberto Gil, ouve Los Hermanos, ouve Autoramas, ouve Nervoso, ouve esses porras todos. E banda nova. Tem a música do Ronei Jorge, que a gente tocou, fez uma participação, é a melhor dos últimos tempos. Composta. É uma música chamada Aquela Dança. Podia ser uma música nossa.
GB: Aliás, a gente tinha que tocar em show essa porra, éim?
MC: Podia, podia tocar. Vamos tocar essa porra. Também, a gente fica falando desses caras porque tá tudo meio relacionado com a gente. Cara, o Júpiter Maçã fez o melhor disco dos anos 90 pra mim, que é o A Sétima Efervescência.
GB: Pô, Raimundos. É genial. É foda.
MC: A gente ouve música brasileira o tempo todo. Samba. A gente ouve pra caralho, também.
GB: A gente gosta muito de música brasileira.

sm: Rola de fazer uma diferenciação de integrante pra integrante dentro da música brasileira? Que nem você fez da música não-brasileira…
MC: Não, acho que na música brasileira é mais complicado do que pra música gringa, cara.
GB: A, dentro da música brasileira? O Bubu é o cara que ouve as coisas mais estranhas mesmo, desde o metal até o noise, ele sempre foi interessado nessas coisas. Eu gosto muito de parada suingue-negão. Sempre gostei, do axé à música africana, é a parada que mais mexe comigo. Samba… Sempre foi a parada que mais mexeu comigo, sabe? O Marcelo, eu acho que, é o cara que gosta mais da coisa do rock anos setenta.
MC: Mas eu também sou do samba, bicho. Eu aprendi a tocar ouvindo samba…
GB: Também, também… O Marcelo é muito de música brasileira em geral, assim, sabe? E o Ricardo é um cara que…
MC: Ricardo é do jazz.
GB: …é um cara que foi sempre criado no jazz// bate a fita

GB: Pois é, o Ricardo, dentro da música brasileira o que seria? Tu, tu é sambão. Tu é samba pra carnaval.
MC: É e não é. Eu acho difícil dizer. Se você perguntar se eu ouço música de carnaval em casa, eu não ouço. Eu sou carnaval porque já desfilei em escola de samba, e na minha formação eu comecei tocando bateria em bloco de carnaval, sacou? Mas não ouço isso em casa.
Eu comecei no meu instrumento, percussão, e a primeira coisa que eu toquei na vida foi em bloco.

sm: Bloco de rua?
MC: Bloco de rua, bloco de rua.
GB: Barbas [ali em Botafogo].
MC: Foi o primeiro contato que eu tive com percussão…

sm: Mas isso com que, oito anos?
MC: Cara, sete ou oito anos. O repique era metade do meu tamanho. E comecei daí. E depois passei pra bateria mesmo. Então tem esse lance do samba mesmo, eu no bloco de carnaval tô em casa. Tô muito em casa.
sm: Mas você toca ainda, cara?
MC: Não toco porque não tenho mais tempo. Mas se eu tiver aqui, no carnaval, todo ano eu saio. Toco no Bloco de Segunda, que é nessa rua aqui [a rua do bar, no Humaitá, é a de concentração do bloco que sai na segunda de carnaval].
GB: Eu me atrevo só a tocar surdo. Me garanto.
MC: Mas eu acho difícil essa parada [de separar a banda por afinidade] de música brasileira eu acho difícil. Você dizer o que cada um mais ouve, sabe? Porque aí nego ouve mais ou menos as mesmas coisas.
GB: Uma coisa em comum – o Ricardo gosta de Novos Baianos também, né?
MC: Gosta, mas não se liga tanto. Ele uma parada é mais rock.
GB: É. Porque Novos Baianos é uma coisa que eu já recuperei muito. Nos discos tropicalistas todo mundo se amarra. Isso é uma coisa comum. Os discos tropicalistas de 67 até 72, os discos do Gil, do Caetano e da Gal Costa são referências comuns.
MC: Mutantes…
GB: Mutantes. E Novos Baianos, que é setenta [É Ferro na Boneca, primeiro disco, é de 70].
MC: Por exemplo, eu gosto muito de Roberto Carlos.
GB: Eu também.
MC: Ele gosta, mas o Gabriel não gosta tanto. O Ricardo também não se liga tanto.
GB: Se fosse pegar uma coisa comum seriam esses discos do Caetano, do Gil e da Gal Costa. Eu acho.
MC: É sim. A gente gosta também dos discos do Titãs, do Paralamas.
GB: Selvagem é um grande disco. A gente toca Bunda-lelê, que é do Bora Bora. É uma música instrumental.
MC: Pronto, fica assim. Disso todo mundo gosta.

sm: Cara, por mim é isso aí.
GB: Tem papo aí, né?
sm: Vão ser cinco partes de entrevista. É recorde do sobremusica.