É sempre muito triste ver uma banda terminar. Estando dentro ou fora, perto ou afastado, uma banda que acaba é também o fim sacramentado de pedaços de lembranças, de projetos, de sonhos, de laços com outras pessoas, lugares, ou hábitos. Mas por que as bandas acabam? Fora esses motivos todos que passaram pela cabeça aí agora, ver uma banda que a gente gosta parar de tocar é também ser forçado a renunciar a todas aquelas boas projeções que nos vinham ao ouvir discos ou assistir shows. As bandas chegam a um fim porque são uma história dividida a dois, três, a vários. E não há quem possa se considerar fã o suficiente para mudar esse destino.
      Mas as bandas acabam também para que as pessoas, e as histórias, andem pra frente. Para que sigam com a vida. Uma banda não é o que ela poderia ser – isso é nada – uma banda é o que é. Até que um dia vira o que foi. Quando chega o dia, o melhor é que seja porque a banda fez o anúncio mesmo. Nada mais deslocado do que uma banda que acabou mas ainda insiste.
      Portanto, para um olhar cínico, bandas foram feitas para terminar. Um dia. E, naturalmente, isso faz uma roda chamada música girar, recombinar elementos, cruzar caminhos, concluir lições, respirar, e por aí.
      Marcelo Callado e Gustavo Benjão não são só a metade do Do Amor. São também metade do curriculum lotado de uma banda que já nasce com o press release pronto, de Caetano Veloso, Domingos de Oliveira e Canastra a Nervoso e os Calmantes, Lucas Santtana e a Seleção Natural e Totonho e os Cabra. E, mais (e é aí que eu chego ao ponto), são a prova do que é viver para seguir adiante depois do fim de uma banda – seja essa a banda deles, ou a banda que os inspirou muito. Seja a banda que eles viveram de dentro ou de fora, de perto ou afastados. Os dois são o constante giro da roda que é a música. Tanto que, sem perceber, revezam o passado e o presente quando falam de bandas que já não tocam. Acabaram, mas deixaram as tais projeções, sonhos, memórias e laços se reagruparem com outros nomes e idades.
      O assunto não foi o predominante na conversa de algumas horas em um bar, em mais uma das entrevistas do sobremusica com músicos que representem algum papel importante para a música (embora eles também sejam protagonistas da banda deles, enfim). Mas ficou indo e voltando aqui e ali e serviu para essa primeira reflexão antes de se partir para o pedaço inicial do papo, pra ser lido em um fôlego só.
      A, vai… Qualquer coisa, abre uma cerveja e entra no clima. Daqui uns dias vem o resto.

Sobremusica: Sugiro a gente começar pelo começo mesmo, como vocês se conheceram, se vocês já tocavam, já tinham banda… Acho que fala você [Benjão] e depois a gente vai pra um e pra outro…

Gustavo Benjão: I rapaz, é das antigas isso daí. Conheci o Marcelo no colégio, estudava no Andrews [na zona sul do Rio]. Eu, vagabundo como sempre, repeti de ano, e fui parar na sala dele. Aí, eu me lembro que conheci o Marcelo, foi a gente jogando futebol, né?
Marcelo Callado: Foi nada. A não, foi. Foi. Foi na sala, ali, jogando futebol…
GB: Mas esse negócio de música, eu me lembro como foi. Foi o seguinte: tua tava na aula de Artes Plásticas, e tu tava com um boné do Sepultura.
MC: Eu tinha um boné mesmo…
GB: Era um boné do Sepultura…
MC: Com umas coisas do Antrax e Metallica…
GB: Isso, exatamente. E eu ouvia também metal pra caralho, tava nessa época. Sexta série, devia ter o que? Doze, treze anos?
MC: Eu tinha doze, e você devia ter treze.
GB: É. Despertando para o rock, mesmo. Metal. Aí eu me lembro que eu reparei: pô, cara, tu gosta de Sepultura também? E a gente começou a falar, e ele contou que tocava bateria.
MC: Foi exatamente isso.
GB: Aí tu fazia também [aula de] futebol.
MC: Eu fazia futebol no mesmo lugar que ele fazia, também.
GB: Tinha um futebol no sábado, meio extra do colégio. E um dia eu falei: aí, vamos tocar, cara.

sm: E vocês já tocavam há um tempão, cada um seu instrumento?
MC: É…
GB: Relativamente…
MC: Não muito tempo, né? Eu comecei a tocar bateria com nove anos.
GB: Eu comecei com violão mais ou menos nessa época, um pouquinho antes. Mas não… só tocava umas musiquinhas. Já tocava. Mas não tinha banda, não. A primeira vez que eu toquei em banda…
MC: …foi a nossa banda. Se chamava Manda-chuva.
GB: Manda-chuva… A primeira vez que eu ensaiei foi com o Marcelo.
MC: A primeira vez que eu ensaiei foi… não! Eu já tinha ensaiado antes, já tinha até feito um show antes. Que foi uma situação engraçadíssima, com a mãe do [Gabriel] Bubu [guitarrista da Do Amor].
GB: Rá, é verdade.
MC: Porque no [Centro Musical] Antônio Adolfo, se montavam umas bandas pra se apresentar nuns negócios que se chamavam showcases.
GB: Tu já fazia Antônio Adolfo, né?
MC: Eu já fazia. Fiz dois anos de Antônio Adolfo, de nove aos onze. E depois voltei com quatorze, mas aí parei. Mas aí o Antônio Adolfo organizava essas bandas e a mãe do Gabriel fazia [aula de] Coral, e ela era backing vocal da banda. Foi o primeiro show que eu dei na vida, com a mãe do Bubu.
GB: A, então foi isso.
MC: Tocando uma música do Joe Cocker. Quer dizer, uma música do Joe Cocker…
GB: With a Little Help From My Friend?
MC: Não, Unchain My Heart. Que é uma música de antes, uma música antiga. Mas banda mesmo, montada pela gente, pelos amigos, foi a Manda-Chuva. Era eu, ele e o Felipe. O Felipe virou historiador, não toca mais.

sm: Mas era o que a banda?
MC: A banda a gente só tocava cover, e tocava uma música do Gustavo e uma do Felipe.
GB: É verdade. A minha se chamava Last Morning, que era toda metal, apocalíptica. Eu tava nessa pilha. Era a época, né? Era o que eu mais ouvia.
MC: É, o Gustavo ouvia muito. Eu ouvia menos, ouvia mais na onda deles, assim, e do Bubu também. Gabriel era muito metaleiro
GB: Até hoje é, né?
MC: Até hoje é. E eu ia meio na onda dele. Mas nessa época que a gente montou a banda, eu nem tava andando direto com o Gabriel.

sm: O Gabriel também era do Andrews?
MC: Não. O Gabriel eu conheci antes, eu conheço ele desde os quatro anos de idade. Pela outra escola onde eu estudava, o Espaço Educação. E aí, quando chegou a quinta série, eu fui pra uma escola, ele foi pra Éden [escola alternativa também na zona sul] onde ele conheceu o Ricardo [Dias-Gomes, também da Do Amor] e onde conheceu o Bruno [Levi], que também foi do Carne de Segunda. E o Domingos [Guimaraens], que é um outro amigo, também. E aí ele começou a tocar lá com essa galera, na Éden.

sm: O Ricardo estudava comigo antes de ir pra Éden. Ele era mais velho.
MC: A é?
sm: Deve ser ainda, né? Eu acho… Deve ser ainda um ano mais velho [por incrível que pareça, toca uma buzina bem na hora dessa piada sem graça].
MC: A é… Mas aí, tava na sexta série, e eu tinha ido prum lado e o Gabriel pro outro. Mas a gente sempre se ligava, volta-e-meia. E eu conheci os caras, o Bruno, o Ricardo, e o Jonas [Sá]. Acabei conhecendo o Jonas também. Que não era da mesma escola, mas veio pelo Domingos [Guimaraens, poeta]. Aí o Gabriel sempre ligava: aí, vamos levar um som? Tu é o único cara que eu conheço que toca bateria, e não sei o que. E, cara, eu nunca podia, sempre tinha uma parada, ia viajar, ia jogar bola, sei lá. Ou tava ensaiando com o Gustavo, sei lá. Até que um dia, vambora. E aí juntou.

sm: E nessa o Manda-Chuva durou quanto tempo? Chegou a fazer show?
MC: Não.
GB: Fez. Fez show. Manda-Chuva fez um show na festa de aniversário da Mills & Niemeyer, porque o pai do Felipe era presidente, diretor, da Mills & Niemeyer. Aí teve uma festa lá.
MC: É, e tocou com o Bruno [Rezende]. Era o Manda-Chuva mais o Bruno. Aí a gente já tinha misturado, já levava um som eu, Gustavo, Bubu, Bruno…
GB: É, já existia o Carne de Segunda…
MC: Não, não existia, não.
GB: Nessa época?
MC: Não existia, não. A gente tocava só com o Bruno.
GB: A gente tocou uma música do Mulheres Q Dizem Sim, Você Não Sabe
MC: Tocou Jimi Hendrix, tocou Mamonas Assassinas, era uma festa pra criança.
GB: Era uma festa dos funcionários da Mills & Niemeyer.
MC: A gente tocava muito na casa do Felipe.
GB: Era uma coisa bem de moleque. A gente levava som, depois jogava bola, era como se fosse jogar uma pelada. Era esse clima. Mas era uma banda, o Manda-Chuva.
MC: Eu tenho a demo lá em casa.
GB: A demo é demente, tem o Felipe errando, e o cara gritando PÁRA…
MC: PÁRA DE CANTAR, PORRA…
GB: É foda, é engraçado pra caramba.
MC: Todo mundo com vozinha assim [imita uma voz fininha] nhenhenhém nhém. E aí do Manda-Chuva a gente foi levando um som que era uma galera: eu, Gustavo, Bruno…
GB: Eu já ia?
MC: Ia, porra. Bubu, Ricardo, o Marcos, que é outro amigo nosso que hoje em dia tem um estúdio com o Gustavo e com o Bubu. O Tomás ia também, Tomasinho [?].
GB: O Tomás ia…
MC: Ia tudo pra minha casa. E dessa galera foi ficando só o Carne de Segunda. Que no começo era eu, o Bruno e o Gabriel, era um trio, e depois entrou o Gustavo.

sm: E nisso vocês tavam com quantos anos?
MC: O Carne de Segunda foi formado no fim de 96.
GB: Dezesseis anos, né?
MC: Dezessete anos. Eu tinha dezessete, Gabriel dezessete, e o Bruno dezoito, ele era mais velho. Ainda é mais velho.
GB: Nessa época eu comecei a remar, a fazer esporte. Era uma rotina completamente diferente. Na verdade, eu levei um som algumas vezes, mas com quinze, dezesseis, eu tava remando, e fiquei três anos nessa. Competi pelo Botafogo. Aí me afastei um pouco do lance de tocar sempre.
MC: Mas mesmo assim, você participava.
GB: Participava, tocava nos shows do Carne, duas ou três músicas. Tocava baixo.
MC: Porque era o seguinte, a gente era um trio, e no princípio funcionava muito bem. Mas chegou uma época que nego começou a fazer umas músicas mais arranjadinhas, sabe? Nêgo gravava em casa, gravava uma guitarra fazendo base, uma fazendo solo, e na hora de tocar ao vivo… Então, sempre chamava o Gustavo, e ele tocava baixo. Não era isso?
GB: Era.

sm: Mas como era o som do Carne de Segunda no começo?
MC: Cara…
sm: Era autoral?
MC: No começo, no começo a gente levava muito Jimi Hendrix, Novos Baianos, a gente tocava muito uma banda de negão chamada the Meters. Isso no ensaio, assim. E começaram a aparecer as primeiras músicas da galera mesmo. Principalmente do Bruno e do Gabriel. E aí as músicas eram loucaças. Tipo, não tinham nada a ver. Quer dizer, tinham bastante a ver com essas influências, mas tinha uma cara ali. Tinha muita influência de Z1bi do Mato também, na época. Neguinho ouvia muito, o Gabriel ouvia muito Z1bi do Mato.
GB: Na verdade, a primeira vez que eu participei do Carne foi quando eu fiz aquela letra pra Prefiro Banana. Que era uma demo.
MC: Foi a primeira música do Carne.
GB: Foi a primeira música, era uma levada de som, e eu escrevi um negócio assim, sabe? E aí no show, quando a gente tocava, eu falava, só recitava um negócio.

sm: Como que era? Lembra?
MC: Tinha um curió. Acabava: Ai meu curió.
GB: Era uma parada completamente non-sense, eu tenho isso escrito. Começava: Vamos nos concentrar nesse momento histórico. Aí começava a música [MC cantarola]. Aí eu falava: quando eu fizer dezessete anos… Era demente pra caralho. Falava: Eu vou me tacar do décimo quinto andar só pra fazer uma cagada na portaria e o síndico limpar. Era demente.
sm: Bem coisa de moleque.
GB: Era bem de moleque, completamente non-sense, assim.
MC: Mas tinha umas coisas muito boas, cara.
GB [tentando pegar o fio da memória]: Foi da época em que eu comecei a voltar, porque quando eu fui remar eu perdi um pouco o contato com o Marcelo. Na verdade, um pouco antes disso, eu passei a conhecer o Jonas através do Mulheres Q Dizem Sim, num show. Aí eu jogava bola com o Marcelo, direto. A gente voltava pra casa juntos. Na verdade a gente ainda estudava. Foi na sétima série.
MC: Não.
GB: Isso era na sétima série, sim. Mulheres Q Dizem Sim.
MC: Foi.
sm: Sétima série é uns quatorze anos.
MC: Não, foi em 94. A gente conheceu essa galera em 94. A gente conheceu, na verdade, essa galera junto, tirando o Gabriel que já conhecia antes. Foi no show do Mulheres Q Dizem Sim, no dia que a gente conheceu o Pedro Sá, o Domenico [Lancelotti], conheceu a banda.
GB: A gente ia jogar bola na Praia Vermelha, e a gente passou e ouviu um som. Os caras tavam passando som.
MC: A gente tava andando e eles passando som. O Gustavo já conhecia porque tinha, sei lá, comprado o disco…
GB: Eu vi o clipe na MTV e aí eu tava na Lojas Americanas, me lembro muito bem, tava indo comprar o disco do Pink Floyd. Tava naquela, vou escutar essa banda, mas não tava nem um pouco a fim de ouvir, e até hoje acho uma merda. Não tava nem um pouco convicto, mas peguei o disco da vaquinha. Aí tava na fila pra pagar e olhei assim e vi o disco: Mulheres Q Dizem Sim. Do lado. Deixei o do Pink Floyd e peguei, sabe? Uma jogada do destino, porque foi a banda que mudou a minha vida. E por causa disso conheci essa galera, sabe? São essas coisas que…

sm: Mas conheceu como? Vocês falam de conhecer essa galera, parece que chegaram um dia e: oi, prazer…
MC: Mas foi isso!
GB: Foi, foi…
MC: Cara, o Gustavo comprou o cd do Mulheres Q Dizem Sim e me mostrou, eu me lembro de ouvir isso na casa dele, e eu já conhecia de nome porque o meu primo era amigo do Maurício [Pacheco], do Pedro Sá, e ele tinha uma camisa.
GB: Tu tinha a fita, não?
MC: Não, eu gravei de tu a fita. Mas a gente chegou no show, cara. Tava indo pra pelada, viu os malucos passando som, e o Gustavo falou: é o Mulheres Q Dizem Sim, a banda do cd que eu mostrei.
sm: Era onde o show?
MC: Lugar Comum, na Álvaro Ramos [em Botafogo, na zona sul, onde rolava muito show de banda pequena/média na década de 90], perto da minha casa. E a gente falou, porra, vamos chegar nesse show mais tarde.
GB: A gente entrou, falou com os caras.
MC: A gente foi os primeiros a chegar no show, tava lá o Domenico. E eu falei, na moral, cara, a gente veio ver o show, foi mó coincidência, tava passando e tal… E ele ficou todo entusiasmado: [afina a voz imitando o Domenico] pô, cara, do caralho, vocês conhecem, não sei que! E começou a falar do Candeia, lembra disso? [volta a imitar] Eu tava aqui ouvindo um samba do Candeia… E eu tinha esse disco, era do meu pai, e tal. [Imita de novo:] Vocês são do caralho, então…
GB: E convidou a gente, né?
MC: Botou nosso nome na lista, dedicou uma música, levantou da bateria [voz fina novamente]: eu quero dedicar esse show a uma rapaziada nova aí…
GB: Foi mesmo.
MC: O show foi bom pra caralho, e depois a gente falou com o Pedro, falou com o Maurício, com o Palito.

sm: E vocês eram os mais moleques da platéia, então…
GB e MC: Com certeza.
MC: A gente e essa galera…
GB: …no show tava o irmão do Pedro – o Jonas – que era amigo do Domingos, que era amigo do Ricardo. O Bubu tava porque era amigo deles.
MC: E, na verdade, foi aí que a gente marcou de levar som, mesmo. Foi nesse dia.
GB: A gente sempre fala que é uma banda fundamental pra gente. A gente escutou muito, e a gente gostava – e gosta – de todos eles como músicos, sabe? E como pessoas. Foi uma parada importante. Fora esse evento. Dar entrevista é bom porque você lembra das coisas…
MC: É mesmo.
GB: Você pára pra lembrar, né?

sm: Mas então, vamos parar pra organizar aqui. Daonde vocês tiravam o que vocês ouviam, na época? Além dos cds, da MTV… A década de 90 é um momento em que as gravadoras começam a investir em bandas novas, tem o Skank, o Planet Hemp, e quando começa a ter clipe. Muitas vezes tosco, mal feito, mas rodando.
MC: É. Tinha um lance da galera, assim, eu acho que eu e o Gustavo, a gente tava mais ligado nesse começo, nessas bandas que tavam surgindo na época. Dos quais o Raimundos, o próprio Planet Hemp mesmo, o Little Quail. E isso foi por conta da MTV mesmo. Tinha uma coisa ou outra que foi meu primo que falou, sabe? Mas eu me lembro de ficar mostrando essas bandas pro Bruno e pro Gabriel. Porque tinha uma parada que era a seguinte. Logo que a gente se conheceu, a gente começou a comprar vinil. A gente voltou a ter o hábito de comprar vinil, a gente tinha abandonado e voltou. Então se comprava muita coisa antiga, e a gente passou muito tempo ouvindo muita coisa velha.

sm: Mas comprando como? Pela capa, pelo que ouviu falar?
MC: Comprando… por isso, por essas coisas assim, e por saber que era o que neguinho ouvia. Pela capa também, por interesse. Coisa de pai e mãe também. Essas coisas assim. E essas coisas novas, eles não ouviam tanto. Eu me lembro de chegar pro Bruno [Rezende] e mostrar: porra, isso aqui é Chico Science, cara. E ele: ai. [GB: rarrarrarrarra...] É um negócio de Pernambuco, sei lá o que. E eu, ouve que é bom pra caralho, maluco. E eu lembro de carregar eles pro Ballroom [casa de shows em Botafogo, que não existe mais], ainda era o primeiro batera, lá. O primeiro caixa. O Canhoto. E, cara, ele pirou nos shows. O cara falou: velho, melhor banda do mundo inteiro. E tu ouvia também essas paradas.
GB: Eu não cheguei a ir a muitos shows nessa época muito por conta daquela rotina que eu comecei a ter com o remo. Mas eu escutava tudo, eu me lembro de comprar o Da Lama Ao Caos. E foi nessa época mesmo.

sm: E como você falou, as Lojas Americanas eram muito baratas.
GB: Era muito barato. E era aquela coisa, quando saía o cd, você achava barato. E você achava muita coisa. Não tinha muito reeditado, então era o que lançava. Quer dizer, lógico que tinha Beatles em cd, e umas coisas clássicas. Mas era muito o que tava rolando na época. Então lá eu comprei o Mulheres, apesar de que tinha também em vinil. Mas uma grande fonte mesmo era a MTV. Minha rotina era colégio, remo e ficar em casa.
MC: E era boa a MTV. Era do caralho.
GB: Era boa mesmo. Eu tenho uma lembrança, bem dessa época, que antes de ter na MTV banda nova, parece que rolou um hiato assim na música brasileira. Aquela geração dos anos 80 já tava começando a… Era o Paralamas, o Titãs, bandas que se firmaram ali. Mas acabou e a rádio perdeu espaço. Não me lembro bem, mas foi bem nessa época, eu com nove, dez anos, e eu não ouvia mais rádio. E minha mãe me emprestou uma coletânea dos Beatles, cara. Tinha Paperback Writer, e aquelas que tinham sido lançadas só em single. E foi uma época que eu só ouvia Beatles. A partir desse disco comprei uma porrada de vinil, fui atrás dessas coisas, mas foi basicamente Beatles. E quando apareceu MTV eu comecei a me ligar em outras coisas: metal, Sepultura, Antrax, Slayer. O Iron Maiden é que eu já escutava da época do… Iron Maiden e AC/DC eu me lembro de ver na tv no Rock in Rio I, de acompanhar com uma guitarrinha de plástico. Eu molhava o cabelo, botava uma bermuda, e ficava igual ao Angus Young, assim. Os adultos na sala, jogando carta, e eu lá. Me lembro muito bem dessa cena. E depois foi uma época sem muita coisa nova, até a MTV trazer um monte de banda. Teve o negócio da Chaos [selo de bandas novas da Sony].

sm: Veio um formato novo [o videoclipe] que as gravadoras abraçaram. São vários selos, o Banguela, o Chaos, o Plug…
MC: Tinha até o Excelente. Aliás, tem outra banda que a gente conheceu nessa época. Conheceu o Mulheres Q Dizem Sim, e logo depois o [Acabou la] Tequila. E a outra banda que os caras tinham, que é o Goodnight Varsóvia, que eu achava a melhor de todas. Melhor do que o Mulheres, e melhor do que o Tequila. Eu adorava o Varsóvia.
GB: É, eu achava também. Eu achava.
MC: A gente subiu no palco, uma vez. Nós dois mesmo. Lembra disso? No [teatro] Sérgio Porto, cara, show do Goodnight Varsóvia. A gente foi tocar percussão.
GB: Lembro, lembro disso…
MC: O Goodnight fazia uma zona, não sei se tu chegou a ver. Era uma zonona, assim. Tinham quatro baterias.

sm: Vamos voltar pro Carne de Segunda, o começo. Vocês tocavam Jimi Hendrix, Novos Baianos, e tal, depois começaram a compor, fazer as músicas de vocês, pirar em arranjo, entrava um quarto elemento que não era parte do show inteiro, e como é que isso foi andando? Virou única banda de vocês?
MC: Nessa época, todo mundo fazia o Carne de Segunda e o Jonas. A gente sempre tocou com o Jonas, desde essa época. Antes de ter o Carne de Segunda, o Jonas já tinha uma banda que era o Bruno, o Bubu e o Ricardo. Eles já tinham a banda do Jonas, e tocavam as músicas do Jonas. Não tinha baterista. Fizeram até um show em que o Léo [Monteiro] tocou bateria, o Léo que era do Tequila. E o Kassin, acho que, tocou baixo. Foi um show na casa do Jonas.
GB: O Ricardo tocava teclado, na época… Não cara, foi o Bubu que tocou baixo.
MC: Não. O Bubu tocou violão. O Kassin tocou baixo.
GB: A é, o Bubu tocou violão viado. Aquele violão viado lá dele.
MC: E aí era isso, era o Carne de Segunda e o Jonas. Eu, eu fazia parte de uma outra banda também, que eu fiz parte muito rápido, uma banda que também não durou muito. Chamada Zabumba Ê Muhamed. Que era uma banda do Nareba, o Gabriel Muzak. E eu tinha uma banda hardcore do colégio, de outra galera do colégio, chamada Detentos. Mas também durou pouquinho. Aí o Carne de Segunda foi andando, a gente realmente se concentrava no Carne de Segunda, toda sexta-feira tinha ensaio na minha casa, a gente foi compondo, só que o Carne de Segunda era meio devagar. A gente não tinha uma… ééé… uma força de vontade pra sair marcando coisa, sabe? Sair marcando show, sair divulgando, marcando festas. A gente era meio devagar, ficava ensaiando muito. Gostava de ensaiar, ficava levando som.
GB: Era uma banda de moleque, né?
MC: Era uma banda bem de moleque.

sm: Isso no colégio ainda?
MC: No colégio ainda. Aí quando chegou no final do colégio, o Bruno foi fazer Música, faculdade de Música. O Gabriel foi fazer também, mas não passou. E acabou arrumando um trampo em estúdio. Eu fui fazer faculdade de Economia. Aí ficava essa coisa da banda, e tinha faculdade, era uma prioridade mas neguinho não dava muita atenção praquilo, sabe? Dava muita atenção musicalmente, mas produtivamente assim, não corria tanto atrás.

sm: Tocava quanto assim, tem idéia?
MC: Tocava muito pouco, cara. A gente tocava tipo…
GB: Talvez não fosse pouco, não, mas era uma coisa que…
MC: Cara, a gente fazia, sei lá, uns seis shows por ano.
GB: Era isso, né?
MC: Era bem pouco, bem pouco.
GB: E era aquele circuito Loud, Casa da Matriz, Sérgio Porto, CEP 20.000. A gente fez muito show no CEP.
MC: E tocava muito na casa do Bruno, festa na casa do Bruno, qualquer coisa assim…
GB: Teve um show na casa do Bruno em que eu toquei percussão, fiquei tocando conga.
MC: Mas mesmo assim, a gente levava a sério, levava a sério.
GB: Mas não tinha essa visão que tem hoje em dia de: vamos produzir os shows,. Não tinha.
MC: Não tinha mesmo, não tinha essa coisa de: agora vamos fazer camisa e vender no show. A gente fez uma demo. A gente fez em 99, é uma do papelzinho.
GB: Eu me lembro, era foda a capa. A gente fez uma temporada ali na Cobal.
MC: O Gabriel tava trabalhando no estúdio que era uma parceria do Moreno [Veloso], do Lucas Santtana e do Maurício Pacheco. O Gabriel era assistente, e numas madrugadas que tinha tempo vago, a gente gravou. E com a demo, fazia os shows.

sm: E como eram os shows? Digo em repercussão, comentário…
MC: Sempre foram muito curtos.
GB: A galera gostava. Eu que assisti shows e depois toquei, posso dizer. Os shows do Carne que eu assisti eu achei geniais.

sm: E nessa época você tava fazendo o que?
GB: Fazendo porra nenhuma!
MC: Tava em Itarituba [perto de Paraty, no litoral sul fluminense].
GB: Pois é, eu tinha acabado o colégio, e não tava mais remando, mas trabalhava no Botafogo dando aula de remo. Tava naquela: vou fazer faculdade. Entrei pra Marketing, mas queria fazer Desenho Industrial. Tava numa fase em que eu não sabia muito o que queria e ficava vagabundando por aí. Aliás, não foi Itarituba, não. Eu fui pra Arraial D’Ajuda, e fiquei lá uns…
MC: É, não sei de onde eu tirei Itarituba, mas essa história é engraçada. Porque o maluco, ele não era da banda. Mas a gente sempre pensava em chamar pra banda. E ficava assim: vamos chamar? Não vamos chamar? Não sei que. Aí, quando a gente decidiu chamar o cara, foi: beleza, beleza, mas to indo pra Arraial D’Ajuda, vou passar seis meses lá, ou sei lá.
GB: É.
MC: Aí, acabou que não passou seis meses.
GB: É, passei uns quatro meses. Foi quando eu acabei o colégio, e eu fiquei mais um ano trabalhando, juntei uma grana, aí tava precisando dar uma descansada de tudo. E tinha um amigo que a irmã dele tinha uma pousadinha em Itarituba… ops! Em Arraial D’Ajuda, aí eu liguei pra ela e perguntei se ela me arrumava um trampo. E eu trabalhei de barman lá na alta temporada, de dezembro até depois do carnaval. Aí, fiquei lá, ganhando uma grana, fiquei lá de bobeira, fazendo merda, rerrerrê…
MC: Aí quando voltou, entrou pra banda.
GB: Aí quando eu voltei procurei eles e falei: é isso que eu quero fazer, cara, vou ter que correr atrás de outras coisas, mas to a fim de tocar. (I rapaz, é o Augusto! Eu conheço esse maluco aí – e aponta a tv)
MC: Quando o Gustavo entrou pra banda, deu uma relativa profissionalizada. Ele entrou e…
GB: Foi. Talvez “profissionalizada” não seja a palavra… Mas nessa época eu já comecei a compor música, eu que comecei a fazer o que era mais canção, com letra. Pepeu Baixou Em Mim [música que passou para o repertório da Do Amor] foi dessa época. De logo que eu entrei na banda. O primeiro show que eu fiz foi na Loud, abrindo pro Vídeo Hits, foi o primeiro show que eu fiz como um da banda mesmo. E aí eu toquei Pepeu Baixou Em Mim, eu tocava baixo, até. Eu comecei a me ligar, e a me lembrar, das coisas de axé dos anos 80, talvez muito por causa dos Novos Baianos, que eu descobri antes, e por causa de Arraial D’Ajuda. Lá tocava aquele axé, aquela porra, Asa de Águia, um bando de merda E eu fiquei sacando aquelas paradas: porra, cara, isso daí vem tudo daquela porra tipo Luís Caldas. E eu me lembro muito da minha infância, que foi aquela época que eu disse que tinha o rock dos anos 80 e o Luís Caldas teve um momento ali, foi quando surgiu Margareth Menezes, a banda Reflexos, Sara Jane, tudo nessa época. A primeira onda do axé.

sm: Que tem a ver com ska, com samba, com reggae…
GB: E eu lembro que me liguei muito nisso…
MC: …Samba de roda!
GB: …Eu adorava aquela Nega do Cabelo Duro, sabe? E eu vim de Arraial D’Ajuda me lembrando disso e me influenciou a fazer música. Tipo Pepeu Baixou Em Mim. Que foi até uma idéia do Marcelo, e tal. Mas foi nessa época, que eu entrei e teve uma mudança, um cara diferente.
MC: É, tinha o seguinte: o Carne tinha muita música instrumental. Porque eram músicas que surgiam de levação de som, mesmo. O Gustavo quando entrou na banda, a galera ainda fazia, mas já tava mais numa pilha de fazer canção mesmo, sabe? O Bruno fazia umas músicas dele, e eu comecei a fazer música. Eu descolei um violão, ou uma guitarra… Acho que uma guitarra, e comecei a fazer música também. Pepeu foi uma parceria nossa.

sm: Conta aí, foi uma idéia tua porque?
MC: O Gustavo chegou com a base e aí a gente tava com o Gabriel na casa do Moreno, gravando uma outra parada lá, e aí o maluco mostrou a base e eu falei: vamos escrever uma letra, que seja meio baiana. Aí eu fui e fiz o riff, cara. Ele botou a base, e eu fiz o riff que tem até hoje: panranparan-pén-porén. Que é totalmente Pepeu Gomes, trio elétrico, não-sei-o-que.
GB: Tu fez o riff antes de falar… Eu me lembro que quando cheguei com a música, o cara lá falou: parece que o Pepeu baixou em você. E eu falei, é: Pepeu Baixou Em Mim. O cara deu o nome pra parada. Fez surgir o assunto, que aí a gente foi e fez a letra, fez junto.
MC: Não me lembro direito, mas foi mais ou menos isso. Foi a partir da música que eu me liguei na idéia do Pepeu baixando no cara, e foi a letra aí. Cada um escreveu uma parte, sei lá. Mas foi assim que a banda foi criando uma cara, e foi ficando mais forte em um certo sentido. Mas não perdeu a esquisitice que tinha. E ao mesmo tempo, o Gustavo deu um gás pra tentar fazer mais show, fazer uma outra demo, sabe? Ele tinha um programa de computador que gravava.
GB: Foi. A gente gravava umas coisas lá em casa. Teve uma demo que a gente gravou a bateria no [estúdio] Hanói…
MC: E foi aí que aconteceu o seguinte: a gente começou a tocar em outras paradas. E isso foi importante também pro Carne de Segunda. A gente começou a tocar com o Branco Mello [do Titãs], eu e Bubu.
GB: Não foi depois?
MC: Foi em 2000, cara.

sm: O Branco saiu daonde, do Hanói?
MC: Foi o Kassin que indicou a gente. É, eu entrei pro Influenza, que veio a ser o Canastra. Foi em 2000, foi nessa época. O Gabriel começou a tocar com Los Hermanos, foi o Bloco do Eu Sozinho. Foi por aí, 2001 [o disco é, de fato, de 2001]. Aí começaram a abrir umas portas, mesmo.
GB: E não só abrir as portas, mas abrir pra outras influências, mesmo.
MC: Então foi tudo isso, o Gustavo voltou, a gente passou a tocar com outra galera, e a banda deu uma mudada. Mas enfim, continuava fazendo pouco show, continuava em um ritmo meio devagar.

sm: E só Rio de Janeiro?
MC: Só Rio de Janeiro, e só não arrisco dizer só zona sul porque eu acho que uma vez a gente tocou na Tijuca, e uma vez no Garage.
GB: E uma vez em Vargem Grande, zona Oeste. Aliás, nem tocou em Vargem Grande, choveu pra caralho e não rolou. A gente foi até lá, era a casa de um cara.
MC: Nunca saiu do Rio de Janeiro. E eu comecei a tocar em peça de teatro, nessa época. Tocava nas peças do Domingos de Oliveira. A galera começou a trampar mesmo com música. Por aí, em 2000. Começou a virar um troço profissional. Embora eu demorasse muito pra me considerar profissional.

sm: Você trabalhou como economista…
MC: Trabalhei, trabalhei. Trabalhei pesquisando na faculdade, fiquei um ano pesquisando na UFRJ, e mais tarde na controladoria da Conspiração, olha que doideira. Dois anos.
GB: Foi na época em que o Carne começou a acabar.
MC: Mas eu saí um ano antes do Carne acabar, na verdade. Saí um ano antes, saí em 2004, e acho que acabou em 2005. Mas foi isso, a galera começou a trabalhar com música mesmo. E eu, apesar dessas coisas todas, sempre que tinha um trampo de música eu largava a porra toda e ia fazer o trabalho. Mandava um cago pro resto todo. E o Gustavo começou a arrumar alguma coisa. Começou a tocar com o Nervoso.
GB: Foi nessa época? Não, foi depois. 2002, 2003. Mas o Bruno começou a tocar com Lucas Santtana.
MC: Que também foi uma parada importante pra esse lance de Bahia, foi total importante.

sm: Essa época é o Parada de Lucas ou é o anterior?
MC: Era o primeiro disco, o Eletro Ben-Dodô. O Lucas fez o disco, e na hora de fazer o show, montou um show que era totalmente diferente do disco. Aí o Pedro Sá começou a tocar, acho que, com o Lenine, e não podia fazer os shows do Lucas. E botou o Bruno. E foi aí que a gente teve contato com o Lucas, e o som dele era totalmente Bahia arretada, assim. Bahia pau no cu, sabe?

sm: Era trio elétrico total. Um trio elétrico doido, nervoso, mas trio elétrico.
MC: Era mais do que trio elétrico, cara. O show era mais. O disco não tem bateria, por exemplo. O disco só tem umas percussões.
GB: Era mais bloco afro do que trio elétrico, mesmo. Era uma mistura dos dois.
sm: Tá, concordo.
MC: Tem uma música nossa, do Do Amor, que se chama Cachoeira, que é totalmente pensando nessa pilha. Axé forte, axé reto. Era o Davi [Moraes] que tocava bateria, ele tocava bateria pra caralho, só batida retona, sabe? E isso foi muito importante pra esse lance de Bahia pop, sabe? Foi a entrada do Bruno no Lucas, e esse contato nosso com o Lucas. O Gabriel ter trabalhado no estúdio do Lucas foi importante também, tava sempre ouvindo as coisas dele, sabe?

sm: Mas peraí, deixa eu entender, isso rolou depois de [compor] Pepeu, por exemplo…
GB: Não, Pepeu é dessa época, é bem dessa época. Eu pirei na parada. A gente foi até junto na parada, num show no Hipódromo [bar no Baixo Gávea onde não rola mais tanta coisa], um show do Lucas. Show de lançamento do disco.

sm: Mas entre você voltar de Arraial e esse show aí, é quanto tempo mais ou menos?
GB: Uns meses. É de 2000 o Eletro Ben Dodô… talvez [é sim].
MC: Eu me lembro o seguinte, a primeira guigue que a galera arrumou foi o Bruno. Com o Lucas. Talvez eu com peça tenha sido antes, acho que foi antes, mas a primeira de tocar com artista mesmo, de música, foi o Bruno. Tem que ver data, mas saiu o disco e foi logo depois. Aí, por exemplo, olha uma parada que também é importante. O Bruno, quando tava tocando com o Lucas, conheceu o Lobato. Lobatinho, que hoje toca com o Rappa. O Lobato tinha uma banda de música africana, tocava uma porrada de coisa de música africana, mostrou uma porrada de coisa pro Bruno, e o Bruno mostrou pra gente. E as coisas foram indo, as influências foram aumentando.
GB: Foi mudando, né?

sm: E Mano Negra?
MC: Eu gostava muito de Mano Negra. Mas nunca foi uma parada assim muito influente.
sm: Vocês citaram o Tequila, e eles são muito Mano Negra.
MC: Tequila é Mano Negra. Era a banda denominador comum dos caras. Tipo a banda que todo mundo gostava. E se for ver Flaming Moe é Mano Negra pra caralho. Eu gostava de Mano Negra.

sm: Então entrou o elemento Bahia, o elemento África…
MC: Entrou o country, muito por causa do Canastra, que na época ainda era Influenza. Eu e o Bruno começamos a tocar com o Canastra. E tinha o Matanza também. Cara, a gente curtia o Matanza desde que começou. A gente curtia essas bandas todas. Ia a ensaio do Tequila, do Mulheres, a gente ensaiava no mesmo estúdio, então entrava mesmo, no Hanói. A gente ensaiava muito mais do que fazia show, muito mais. E a gente tava sempre encontrando essa galera no Hanói, o Matanza, o Tequila, o Goodnight, o Mulheres, Dash, Autoramas quando ainda era com o Nervoso. A gente viu muito ensaio dessas bandas. E com o lance do country, eu me liguei muito. Por conta do Renato [Martins, do Canastra] e do Matanza. Mas era uma banda dessa maluquice de pilhas, assim. Uma música é baiana, uma africana, uma é disco, punk…
GB: Todo mundo teve uma pilha de quase que emular as coisas. Era quase uma coisa de: porra, vamos fazer uma música nessa pilha, e vamos.
sm: Que já era o que faziam essas bandas, tipo o Mulheres, o Acabou la Tequila…
MC: É, são bandas abertas a qualquer porra.
GB: Que concatenavam tudo, é o que assemelha a gente. Não recusava nada, tudo que a gente acha bom toca.
MC: Independente de ser samba ou death metal, a gente toca, do nosso jeito, sabe? Rola isso, mas eu não sei se parece no som. Talvez mais com o Mulheres, mas eu não sei se as músicas do Carne se pareciam com as do Tequila. Na verdade, eu acho que não pareciam.
GB: É mais uma coisa de intenção de olhar pra um monte de coisa. A proposta de qualquer estilo ali tava valendo. Se fosse bom, pra acrescentar, podia ser qualquer parada, brega, metal, que tava valendo.
sm: E de ser engraçado…
GB: Tem essa coisa do humor, sim.
MC: A gente tem bastante essa coisa do humor. Até hoje. Até hoje. Também é bom deixar claro, eu já respondi isso em um monte de entrevista, até hoje: esses caras foram os nossos amigos mesmo, sabe? Tipo, a gente freqüentava a casa do Kassin, montamos o Charanga juntos, o bloco lá de carnaval. Pô, a gente freqüentava a casa do Léo, ele mostrava som pra gente, fazia umas audições. E sempre foi na casa do Pedro Sá, comer pizza no domingo. Embora a gente seja de outra geração, eles sejam mais velhos… A gente começou a trabalhar junto, eu toquei com o Kassin em umas coisas. O Gustavo tocou também.
GB: No +2, no Totonho.

sm: E o Carne de Segunda…
MC: Aí o Carne de Segunda começou a gravar um disco. Com produção do Bartholo e do Pedro Sá. Aliás, esse disco tá pronto. Só não tá mixado. Tá tudo gravado. E aí a banda acabou antes de mixar as partes. Aí o Carne de Segunda começou a fazer esse disco, e a vida de cada um mudou também. Começou a acontecer coisas na vida de cada um. Eu, por exemplo, me distanciei um pouco em certo momento por conta de ter que ir trabalhar na Conspiração, sabe? Tava precisando de grana mais fixa. Começaram a ter desentendimentos internos, que eu acho que foi o que foi minando a banda.

sm: Mas desentendimento de que? Pilha diferente…
MC: É, pilha diferente, cara, desentendimento. Não sei nem se foi musical, acho que não, cara.
GB: Foram coisas pessoais. De trabalho. E mais com o Bruno. Deixando claro, assim, ele teve problema com o Marcelo. E o Marcelo saiu. E nisso foi perdendo a dinâmica da banda, foi esfriando, esfriando… E não teve mais nada. Eu que entrei depois, sei que no início tinha uma parada que era muito forte do trio, do Marcelo com o Bubu com o Bruno. E quando rolaram esses problemas, deu uma esfriada, a gente até tentou botar outro cara na bateria, foi foda, o cara era do caralho, mas não rolava aquela vontade de estar com a banda. E todo mundo trampava com um monte de parada de música. Eu tava tocando com o Nervoso, tava com o Totonho… Não, Totonho, não.
MC: Gabriel tava com o Los Hermanos. Isso é importante. A gente nunca criou problema com esse tipo de parada, sabe? A partir do momento que todo mundo é músico, sabe? Todo mundo tem que viver disso. E é bom que nêgo toque com outras pessoas. A pilha Bahia veio do Bruno tá tocando com o Lucas, sabe? Veio com o Gustavo também com as músicas dele, mas veio muito por causa disso. Depois a pilha country, então nunca teve isso de todo mundo aqui é dessa banda e não pode tocar com mais ninguém. Aí o Gabriel começou a tocar com o Los Hermanos. Do caralho. Porra, o cara tava procurando grana, na época tava precisando de uma grana. Ele tinha saído do estúdio lá, o estúdio tinha acabado. Mas ele começou a ficar muito pegado. Muito pegado.
GB: É, ele entrou na época do Bloco e foi quando o Simon [Fuller, empresário, escolhido por ter sido assistente de Zé Fortes, empresário referência no mercado pelo trabalho com o Paralamas] pegou o Los Hermanos e começou a botar os caras pra bombar, assim.
MC: E foi quando o Los Hermanos virou o Los Hermanos, a febre Los Hermanos.
GB: O cara popularizou a parada…
MC: E o cara [Gabriel Bubu] tinha show toda semana…
GB: Aí o Carne não tinha como marcar show, e rolou esse problema do Bruno com o Marcelo, e aí a gente ficou incomodado porque mexeu com todo mundo da banda. Por causa de uma besteira que podia ter sido contornada, e tal. E acabou nessa época aí.
MC: Acho que foi 2005.
GB: Pode ter sido 2004.
MC: Foi no começo de 2005.
GB: Porque cara, a gente tocou na turnê do…
MC: Encerrou a turnê do Ventura.
GB: Quando acabou a turnê do Ventura, teve como convidado o Carne de Segunda. Eu acho que foi 2005 [foi no ano anterior], e o Marcelo já não tava.
MC: Foi Acabou la Tequila…
GB: Acho que foi Cidadão [Instigado].
MC: Não foi Hurtmold? A não, Hurtmold foi quando foi o Nervoso.
GB: Teve +2. Isso, +2. Carne de Segunda, Acabou la Tequila e +2. [a confusão foi por causa de uma segunda série de shows também no Canecão, mas no lançamento de 4, com Hurtmold, Cidadão Instigado e Nervoso. O encerramento da turnê de Ventura, no Canecão, foi mesmo com o Carne de Segunda, o Acabou la Tequila e Domenico +2 nos shows de abertura]
MC: Isso, aí no ano seguinte foi Nervoso, Hurtmold e Cidadão Instigado.
GB: Justamente. Esse foi o último show do Carne. Abertura do Los Hermanos. Foi o último show. Depois disso, teve uma reunião, eu, Bruno e Bubu, e decidimos ir cada um pra um lado, vamos fazer nossas coisas e tal. E acabou a banda. Tinha a coisa do disco pendente, mas que, infelizmente, realmente, não tinha como continuar a parada. Foi por aí.
MC: Aí o que aconteceu foi o seguinte: a gente continuou tocando com as mil coisas que a gente tocava, e que foram aumentando. Nós dois fomos pra Nina Becker, foram aumentando. +2… Foram aumentando. Todo mundo já trabalhava com isso. Eu larguei meu emprego pra tocar, pintou o Tremendões, e… e tudo bem. Só que a gente ficou sem tocar junto, sabe? Eu não tocava com esse cara, não tocava com Bubu…