A candidatura de Gabeira à prefeitura do Rio foi um alento para muita gente que vota por aqui e está acostumado a sofrer sempre na hora de votar para os cargos executivos regionais. Porém, pior do que esse sofrimento é a campanha ridícula que vem sendo feita pelo candidato da coligação PV-PSDB-PPS. E, infelizmente, o Rio vê a faísca de esperança se queimar de forma patética.

Candidato de boa parte da inteligenzza carioca, da zona sul, formadora de opinião, Gabeira vem fazendo papel de bobo no horário politico e em todas as aparições (pelo menos as que eu vi) públicas. Com uma aliança forte, que lhe dá boa presença no horário eleitoral, a campanha se perde em um discurso magoado, pouco inventivo, de uma esquerda velha e burra, que não ultrapassa o próprio umbigo.

Para quem está fora do Rio, a campanha inteira de Gabeira é a seguinte: reprises incessantes e cansativas das consagradas falas dele, enquanto deputado, desafiando Renan Calheiros e Severino Cavalcanti na Câmara dos Deputados. Ou então, outras dele brigando pelos corredores do Congresso. Quando muito, repetem toda a trajetória política de Gabeira só destacando sua participação na “luta pela democracia” (entenda-se “ter escrito no JB”, ter brigado contra a ditaduta, ter sido exilado, blablabla). Ok, é importante diferenciá-lo do marasmo e da apatia que habitam nosso cenário político. Agora, só isso não dá. É só isso a que Gabeira se presta?? Se eleito fosse, ia ficar brigando ou ia apresentar propostas novas? Tem um mês que o horário eleitoral começou e a campanha é SÓ isso, sobretudo nos spots de 30” espalhados pelas grades das emissoras de tv. Há um mês, Gabeira gasta a imensa maioria do seu tempo na tv reprisando essas imagens, que só falam com quem já vai votar em Gabeira, mas que dificilmente juntam um voto a mais sequer para a campanha. Resultado: não sai dos 6%.

Nas poucas vezes em que vi Gabeira falando sobre propostas para a cidade, o discurso verde soa amarelo, sem nenhum trocadilho nacionalista. Completamente perdido e mal orientado, já chegou a aparecer por aí falando em instalar não só um mega sistema de bicicletas gratuitas pela cidade, como até bicicletas elétricas, para o uso os cidadãos que não quisessem suar a caminho do trabalho. Ora, não precisa ser nenhum gênio da ciência política para saber que Gabeira precisava conquistar votos além da zona sul abastarda da cidade e que, para isso, era necessário tocar em outras problemáticas bem mais graves. Tradicionalmente no Brasil, a população mais pobre também é tão conservadora quanto a mais rica. O perfil “maconheiro-viado-alternativo-que-arruma-confusão”, que é a pecha dele e que costuma ser usado pelos candidatos adversários para desqualificá-lo, é uma causa clara da rejeição, justamente por esse perfil conservador da população. O papo da campanha de Gabeira não supera essas questões, pelo contrário, até reforça algumas delas.

Há algumas semanas, resolveram “inovar” no horário político. Primeiro colocaram Adriana Calcanhotto cantando “Cariocas”. Agora, nessa última semana, começou uma espécie de “We are the world” da Zona Sul com vários artistas (desses que agradam à mesma inteligenzza carioca) do rock-80 e da mpb, cantando “Gabeira, Gabeira, o Rio de Gabeira, Gabeira…” Boa parte das caminhadas dele se dão na Zona Sul, na Lapa, universidades… Outro dia, foi expulso de uma favela no subúrbio por ordem dos donos do pedaço. Uma rápida passeada pelo site dele mostra como boa parte do tempo é gasto onde ele já tem voto.

Afora esse erro todo de discurso e estratégia, outro fato grave da campanha é que Gabeira foi abandonado pelo PSDB. O apoio do partido, que poderia associar seus nomes fortes da política nacional para entrar à vera na campanha, ficou nos minutos cedidos da TV. Depois que o partido se desfigurou no estado, principalmente com a saída de boa parte do quadro para o PMDB e com a morte de tradicionais nomes da legenda no estado, o PSDB corre o risco de minguar seriamente por aqui. Enquanto isso, Lula não aparece na campanha de ninguém justamente porque apóia todos os outros reais candidatos na disputa, que só fazem elogiar o presidente no horário eleitoral. Eduardo Paes (via PMDB-Sérgio Cabral), Marcelo Crivella (via PR), Jandira Feghalli (via PCdo B) e Alessandro Molon (PT). Todos partidos da base. Apesar de Lula sempre ter sido forte no Rio, desde o fim do Brizolismo, a cidade e o estado sempre votaram mais ao centro e à direita quando as eleições são regionais - e a própria liderança de Paes e Crivella tem a ver com isso. Ainda que estes rótulos venham se mostrando cada vez mais anacrônicos, percebe-se que o PSDB também abandonou a coisa por aqui. Esta eleição parece desenhar o que vai ser uma nova era no Rio de Janeiro, com o fim do domínio de César Maia e Garotinho. O Rio tem novos donos.

Provavelmente Gabeira não ganharia sob condições alguma. Mas não deixa de ser uma pena ver como essa candidatura, que tinha tudo para ser significativa, se queimou como mato.