E aqui vai a segunda parte da costura pra fora do site dos Paralamas. Pra ler o começo é só ir pro post aí de baixo, ou neste link aqui.

      O assunto do acidente de Herbert é naturalmente delicado para os três capistas reunidos em um bar do Rio. Para Barrão, em especial. Ele estava na casa de praia do amigo Dado Villa Lobos, já que sempre trabalhou em capas com a mulher do ex-guitarrista do Legião Urbana, a Fernanda Villa Lobos. Eles esperavam a chegada de Herbert, de ultraleve com a mulher, Lucy. “Eu participei de tudo muito próximo, e sou amigo deles há muitos anos. Sou amigo do Hermano [irmão], da dona Teresinha [mãe]”.
      É um disco especial até na capa, já que se abriu a exceção para ter Herbert, Bi e Barone na foto de capa de novo para um álbum de estúdio, o que só tinha acontecido em “Big Bang” e “Cinema Mudo”. É o Ricardo quem chama atenção para o fato: “Por que era importantíssimo? Porque era o primeiro disco da retomada. Todo mundo queria saber se o Herbert tava bem”.
      O “Acústico” tinha sido o último trabalho da banda, para o qual passaram praticamente dois anos estudando repertório, abordagens, arranjos, e testando tudo em shows meio surpresa em locais pequenos. Dado tinha sido chamado para participar no violão, como se fosse um quarto paralama. Que País É Esse? tinha sido escolhida para ir para as rádios. O momento era de muita aproximação entre a obra de Legião e Paralamas, e portanto de muita intimidade dentro da turma envolvida no projeto do disco da MTV.
      A banda ainda estava na estrada quando lançou o “Arquivo 2”, coletânea dedicada à década de 90. Ao contrário do que se espera de um disco de retrospectiva, como são os ao vivos, nada de capa com retrato da banda. “Aquela é uma capa que eu acho a mais equilibrada de todas que eu fiz, é a menos delirante, a mais concisa, tem um arquivo na frente, atrás tem um aparelho de som que vai tocar aquilo ali, tudo tem umas fichinhas com os dados das músicas. As outras dão umas piradas”. O arquivo daquela capa é o do ateliê do próprio Barrão.
      Não é segredo que o Paralamas é uma banda de turma: tem o mesmo fotógrafo desde sempre, o mesmo empresário, e pouco trocou de capista, para quem tem mais de vinte e cinco anos de carreira. Portanto, é certo que para entrar na dança, das duas uma. Ou se é muito bem indicado: caso de Ricardo, que foi uma sugestão de Maurício, ainda no começo da banda. Ou se é um amigo já velho conhecido, como eram Barrão e Raul quando foram contratados pela primeira vez.
      Isso faz com que o envolvimento de quem entra para a equipe seja mais do que profissional, seja afetivo. Uma capa do Paralamas só fica pronta depois de muitas audições daquele material, o que de um tempo para cá ficou fácil com a possibilidade de gravar cds rapidamente, em qualquer computador. Nos anos 80, o tempo hábil para o lançamento do disco era mais curto, já que tudo demorava mais. “Nessa época do LP, eu às vezes ia para o estúdio, ver o cara gravar. Aí voltava no outro dia pra ouvir mais um pouquinho” lembra Ricardo. Daí se explica um pouco a receita que constrói uma boa imagem para representar o trabalho da banda: dedicação, empolgação e intimidade. Fora o profissionalismo: “Eu sempre tive intenção de ser uma coisa que não fosse embalagem. De botar um componente artístico, ao mesmo tempo em que um comercial, de o cartaz ficar bom na loja. Não é só arte, não. Tem um cliente” conclui Raul.
      Essa mistura de emoção e razão deu o tom da capa de “Selvagem?” (86) e “Bora Bora” (88), por exemplo. A repercussão do “Passo do Lui”(84) tinha sido ótima tanto para a banda quanto para o designer da capa. Nenhum deles era mais um estreante, portanto. E dessa vez, o Paralamas chegou com uma idéia pronta: ter a foto do irmão de Bi para ilustrar a ousadia crua de “Selvagem?”. O disco começava dessa ideia, antes de qualquer música. Ricardo conta que Maurício – que também já não era só o fotógrafo amigo - não ficou exatamente entusiasmado: “O Maurício me liga, Ricardo, vamos fazer a capa nova dos Paralamas. Oba. Mas é o seguinte, cara: eles tão querendo botar uma foto horrorosa do irmão do Bi. Os caras encafifaram com isso, você tem que chegar lá no estúdio e dizer que a foto é ruim”.
      Dupla que é dupla joga junto. Chegou a hora da primeira reunião com a banda. “Aí eu falei: cara, a foto é legal, bem legal, mas o Maurício é tão imprevisível. Olha o que ele fez com o Lui dançando, vamos fazer o seguinte: vamos deixar o cara fotografar, fazer isso de novo. A gente põe o Pedro no meio do mato, vamos reconstruir”. O fotógrafo ganhou a chance dele, e duas opções foram apresentadas para a banda decidir: a com a foto do irmão de Bi e uma outra em que os três davam gargalhada em volta da mesma foto do Pedro, menor. Por dois votos a um, venceu a capa que conhecemos hoje.
      “Falei pro Maurício, olha, eu tentei, fiz tudo que podia. Até botei no encarte um painel fotográfico dele. Daí, quando chegou no disco seguinte, o Maurício foi o primeiro a me ligar pra falar: olha Ricardo, os Paralamas vão gravar um disco aí, e não é você que vai fazer a capa, não. É o D, que é o ao vivo em Montreux, na Suíça. Foi uma dor, cara”. Algum mal-entendido fez Ricardo achar que Herbert tinha dito que ele era uma pessoa difícil de lidar.
      Não é qualquer banda que consegue tanto carinho da equipe com que trabalha. “O que aconteceu foi que quando chegou no disco [de estúdio] seguinte, de novo eles me ligaram. Aí, eu fiz o ‘Bora Bora’, eu voltei. Falei, puxa, que alegria”. Raul interrompe para perguntar: “Você tá contando uma coisa aí surpreendente, que é muito…” “É, é, pra mim é muito forte”.
      De qualquer forma, a banda tinha uma idéia pronta, de novo, do que queria. Um adesivo que dizia Legalize era moda no Rio de Janeiro, tinha sido feito pelo designer Jair de Souza, encomenda do agora deputado Fernando Gabeira, na época um jornalista e militante político. Pois o Paralamas queria que Ricardo reproduzisse o conceito do adesivo para a capa, com o título Bora Bora estampado.
      Reproduzir ou se apropriar da idéia de outra pessoa pode ser uma questão delicada no meio do design, mas pesou o medo de ser considerado difícil, paranoia de Ricardo. “Eu fiz a capa que eles pediram, e uma outra. Levei na hora, mostrei. Eu me lembro que tinha Urru, arrá, éééé, ié, é isso aí, aquela coisa meio adolescente que eles sempre tiveram, né? Aí, eu falei: sem querer forçar a barra, sem querer nada, dando milhões de desculpas, eu acho que podia ser assim. Eles olharam, pararam, e um deles virou: essa tá melhor”. A opção que não imitava traço-a-traço o adesivo de Gabeira, inspirada no naipe de metais de O Beco, foi a vencedora.
      Olhando agora, Ricardo foi o designer que guiou o caminho da imagem trabalhada pelo Paralamas. Todas as capas da década de 80 são dele, a não ser a do disco ao vivo “D”. Quando Gringo assume a função em “Os Grãos’, de 91, a foto em preto-e-branco de Maurício (impossível falar em imagem trabalhada da banda sem colocá-lo no topo da lista) continua lá, a banda já tinha assumido que não precisava estar na foto de frente para ser reconhecida. Agora, a marca de Ricardo, uma faixa de fundo para completar o que não foi cortado da foto retangular, para caber no quadrado da embalagem do disco, não está mais lá. A primeira metade dos anos 90 vai aos poucos ganhando a cara de Gringo, até que no fim da década, a banda escolhe radicalizar na opção pelas artes plásticas, com Barrão. E nos anos 2000, assume Raul.
      Mais do que a identidade amadurecida que se percebe mesmo com a mudança de assinatura nas capas, o sentimento contagiante de turma é o grande rumo que a banda, o fotógrafo e os capistas souberam manter ao longo do percurso. A união faz o trabalho. A união faz o prazer. A união faz o Paralamas.

E a entrevista com o Gringo Cardia, que complementa essa materinha, fica aqui.