Fizemos um mês de site dos Paralamas, trabalho que vai dividir nosso tempo aqui com o sobremusica - foi acertado - ainda pelos próximos meses. Não é todo mundo que entra lá e aqui, portanto vou me permitir repetir aqui e linkar uns momentos bacanas de lá, de vez em quando. Hoje e amanhã vão duas partes de um texto meu pra lá. Junto, de brinde, dois links também pra lá. Divirtam-se.

      Um disco é feito de música, antes de qualquer outra coisa. O resto – site, matéria no jornal, entrevista, especial de tv, capa – vem em segundo lugar. Então é fácil concluir que a gente se lembra ou se esquece de um disco se gosta mais ou se gosta menos das músicas, se elas têm mais ou menos importância pra gente. Agora, tanto o primeiro contato com um disco, mesmo em tempos de Internet, quanto a memória que se guarda dele são em grande parte de responsabilidade da capa. É a imagem que ilustra todo o som, e que às vezes ainda tem a força de uma faixa-bônus.
      “Capa de disco ajuda ou atrapalha, ela não necessariamente vai fazer vender o disco”. A definição é do primeiro capista do Paralamas, o designer Ricardo Leite, homem por trás de “Cinema Mudo”, “Passo do Lui”, “Selvagem?”, “Bora Bora” e “Big Bang”. Sempre acompanhado pelas fotografias de Maurício Valladares, o inseparável escudeiro que nunca deixou outra pessoa assumir os retratos da banda. Quando as capas mudaram de mãos para Gringo Cardia em “Os Grãos”; e “Severino”, “Vamo Batê Lata” e “9 Luas”; Maurício continuou lá. E a mesma coisa com a dupla Barrão e Fernanda Villa-Lobos, responsáveis por “Hey Na Na”, “Acústico”, “Arquivo 2” e “Longo Caminho”, e agora com Raul Mourão, que cuidou da capa de “Uns Dias”, “Hoje”, e agora da de “Brasil Afora”. Ricardo Taborda completou a seleção de profissionais que assinaram algum trabalho de disco, com “D”.
      A capa do cd mais recente, por exemplo, apesar das cores brasileiras, teve a idéia gerada fora do Brasil. Aliás, em se tratando de Paralamas, só podia mesmo ser na Argentina. O artista plástico Raul Mourão estava em Buenos Aires e se encantou com muros e bancas de revistas com letras pintadas a mão, irregulares e coloridíssimas. Ficou com a idéia guardada na cabeça. Tempos depois, em uma reunião com a equipe do escritório de design dele, começou a desenhar e pensar o disco, que a essa altura já tinha ganhado o nome de Brasil Afora. “Eu tenho uma série de desenhos, pra qual eu contratei um letrista. Estava encostado em um canto, no meu ateliê, e todo mundo botando sugestões no papel, quando alguém olhou, e pá”. Esse “pá”, e as centenas de fotos que Maurício Valladares entregou em um cd para Raul, foram o que guiou a concepção do que é, hoje, a capa e o encarte. Com a ajuda da banda: “O Bi e o Barone sutilmente deram o caminho”.
      Reunidos em um bar no Rio, Raul, Barrão e Ricardo se divertem ao remexer as memórias. Enquanto Raul, atrasado, não chegava, ele era eleito o pior capista. Depois de chegar, o posto era transmitido diretamente para quem se levantasse da mesa. Raul:“Ô Ricardo, você foi eleito o pior autor de capa do Paralamas enquanto foi ao banheiro”. Ricardo: “Eu sei”. Barrão: “Você e o Gringo”. “Tem que ser só o Gringo, que tá no Canadá”. “Não, é sempre o Gringo e mais alguém”. “O Gringo é o pior, hors-concours”. E gargalhadas para todo lado. Gringo, trabalhando fora do país, só pôde participar da reportagem depois, por email.
      Mas há espaço para assunto sério também, como a revolução dos mp3 que chega, invariavelmente, para as capas de discos (aliás, de cds): “Pra que capa de disco, vai vender onde? Tem que funcionar no iPod, né? Desse tamaninho. ‘Brasil Afora’ tem que ser azul, verde” raciocina Raul.
      Quando Ricardo começou a fazer capa, não era assim. O primeiro trabalho dele com os Paralamas foi o compacto de Vital e Sua Moto. Ele nunca tinha feito uma capa. Ou seja, ele e a banda entraram no rock profissional juntos: “Eu me sentia como se fosse um dos Paralamas. Passei anos me sentindo um Paralamas”. Depois do compacto, veio o disco cheio, “Cinema Mudo”: “Eles não tavam nem aí pra capa. Não me lembro de ter tido nenhuma conversa profunda com eles sobre capa. Ninguém nunca me falou, nem Herbert, nem Bi, nem Barone”.
      Ricardo era amigo de Maurício, e estava chegando de uma temporada na Europa estudando para viver de quadrinhos. Lá, acompanhou boa parte das bandas pós-punk e new wave do início dos anos 80, e tomou um susto quando, de volta ao Brasil, caiu no meio da explosão de Blitz, João Penca e Kid Abelha. Por isso, nem acreditou quando tocou o telefone da gravadora com o convite para trabalhar com aquela banda de nome tão esquisito. O jeito foi confiar no amigo fotógrafo, e seguir os retratos que ele entregava: “eu pensava que se cortar aqui, estraga, ali, estraga. Não tinha como aquilo virar um quadrado. Eu tinha que usar a foto inteira. E aí eu pude trazer um pouco da linguagem dos quadrinhos pra capa”.
      A capa de “Cinema Mudo”, de que hoje ele nem gosta tanto, ganhou uma figurinha de mulher fazendo expressões, caretas. No trabalho seguinte, aí sim um orgulho para Ricardo, o jeito foi pegar a foto do Lui dançando e incliná-la, para reforçar o efeito de movimento. Nascia ali uma das capas clássicas da música brasileira, e uma sentença que se confirmaria nos anos seguintes: o Paralamas praticamente não apareceria mais nas capas dos próprios discos (a não ser nos ao vivos, em Big Bang, e no Longo Caminho).
      Barrão concorda: “A melhor capa, pra mim, é a do ‘Passo do Lui’, e o disco também. Eu acho que, naquele momento, se apropriar de um cara que está ligado àquele universo [o Lui era amigo de Brasília da galera], é a melhor coisa que tem”. Mas aquela capa, que ainda por cima lembra uma das principais bandas da época, o Specials, quase não saiu. “A capa foi vetada pela gravadora. Achou que não ia vender” conta Ricardo. “O que ficou interessante foi que os Paralamas, naquela altura do campeonato, já tinham opinião. Não eram só artistas novos gravando o primeiro disco. Eles falaram: eu quero essa capa”.
      Ricardo, a princípio, nem tinha gostado da idéia de retratar um cara dançando sugerida pelo Maurício durante um ensaio da banda. Só ao olhar para o resultado se convenceu e caiu dentro. “Ficou nesse negócio da gravadora de vai-não-vai, e acabou indo. Passou. E pra grande satisfação minha, os Paralamas estouram nesse disco, independente de ter a banda explícita na capa. A gravadora queria eles na capa”.
      Barrão bate o copo na mesa e desafia: “Eu tenho uma pergunta: porque nós, pena o Gringo não estar aqui, sempre aceitamos o Maurício?” Os três dão gargalhada e ele mesmo responde: “Porque o Maurício é o Paralamas”. Ricardo e Raul concordam juntos: “Ééééé… exatamente”.
      Os Paralamas, no começo, ligavam pouco para o que seria a capa do disco. A partir de “Selvagem?”, começaram a fazer sugestões e a querer negociar idéias. E depois, relaxaram e passaram só a direcionar o conceito central da obra. O único ponto sem discussão sempre foi o fotógrafo: Maurício. Tanto no primeiro trabalho para o disco-solo de Herbert, Ê Batumaré, quanto quando foi chamado para fazer a primeira capa dele, de “Hey Na Na”, em 98, Barrão recebeu uma direção clara e objetiva: “Faz o que quiser. A única coisa que eu [Herbert] vou botar pra você é assim: o Maurício faz as fotos. Você usa onde você quiser. Então, foi ótimo”. Para os Paralamas, Barrão usou um boneco de sucata do artista de rua Getúlio, em uma imagem que tem tudo a ver com a obra dele como artista plástico.
      Se “Hey Na Na”, no fim da década de 90, teve sinal verde, quase dez anos antes, em Big Bang, a história foi outra. A banda tinha decidido que o álbum se chamaria Rumo ao Planeta Ovo. E tinha até um rascunho de como devia ser a capa, uma ilustração em que um ovo substituía um foguete russo – reproduzindo um cartaz do programa espacial soviético que os três tinham visto em uma viagem. A piada do planeta ovo era interna, Ricardo só foi descobrir anos depois do que se tratava. Meio contrariado por não participar da criação, o designer fez a arte final: “não discuti nada, aqui é laranja, aqui é preto. Eu entreguei, foi feito o primeiro teste de impressão, que nessa época era muito caro e trabalhoso, e eles saíram mostrando pros amigos”.
      “A gravadora achou um desastre a capa, não sei se rodou internamente, e um belo dia me veio a notícia de que ela tinha sido vetada, porque os amigos deles não tinham achado legal, nem tampouco o pessoal da gravadora”. A decisão, àquela altura, foi pegar a capa do compacto promocional de Perplexo (distribuído só em rádios) e adaptá-la para a que hoje todos conhecem. Daí ela ter saído como foto da banda.
      Um conceito totalmente diferente de capa e encarte foi o de “9 Luas”, de 96. Nele, Gringo escolheu nove artistas plásticos e os convidou a produzir, cada um, uma tela de lua. Sem saber, entre os convidados estavam dois dos futuros capistas da banda, Barrão e Raul. Uma idéia parecida foi usada pelo próprio Raul em “Hoje”, de 2005: usar o encarte como veículo para publicar o trabalho de três artistas com alguma relação com o momento da banda, que gravava as primeiras composições feitas depois do acidente de Herbert: “O que é o novo disco do Paralamas? É o que tá rolando agora, hoje. Né? Extra, urgente. Cuidado, perigo!” Os três artistas foram Emanuel Nassar, Nicolas Robbio e o próprio Raul.
      A primeira capa de Raul para os Paralamas foi a de “Uns Dias”, disco ao vivo que seguiu “Longo Caminho”, o disco de volta depois do acidente – embora as composições fossem anteriores à queda do ultraleve. “Eu era fã, amigo. Ficava circulando, conhecia todo mundo. Eu já pedi meu crachá, quero ser Paralamas que nem vocês [a banda], eu vou pra estrada”. Por ser uma gravação de show, a capa precisava de uma concepção menos livre, segundo o artista plástico. Diferente do método que acabou adotando depois: “a partir da audição exaustiva do que tá ali, criar uma imagem que seja o correspondente visual ao som”.

      Continua…

      E este link aqui, da entrevista com o jornalista Jamari França, que me surpreendeu e bateu recorde de acessos por lá.