E aqui vai mais um texto da lavra das costuras pra fora deste fim de ano que se aproxima. Fiz pro Duelo de MCs, e já saiu do ar por lá, então ganha uma sobrevida singela por aqui. As fotos são inéditas.

       Os oito MCs vão chegando aos poucos no estúdio onde a gravação foi marcada. Cada um que aparece é uma nova cara à história de tantos rostos que começou há pelo menos seis anos. A história do free style do Rio de Janeiro, de onde até hoje as rimas improvisadas sobre batidas de rap se espalham pelo país.
       Um é magrinho, o outro forte. Tem o louro, o negão, os acompanhados e os à caça. Todos se conhecem da rua, dos microfones, mas uns querem ser mais falantes, outros mais concentrados. A única semelhança é o fogo nos olhos e a língua aquecida, prontos a cruzar uma nova fronteira na divulgação do hip hop nacional. Agora, o papo é via celular.
       Enquanto o anfitrião Aori come um queijo quente e passa o som com o DJ Babão, as regras do duelo são explicadas: cada MC tem vinte e cinco segundos para improvisar, mais ou menos oito versos. Menos tempo do que todos estão acostumados. Os embates serão por sorteio, o primeiro começa, o segundo responde, recomeça a provocação, e o primeiro encerra. Quatro vídeos. Cada trecho de rimas será um diferente a ser baixado para o celular.
       E outra coisa: cada MC terá que gravar dois vídeos adicionais: um para dizer quem é, e outro para convocar qualquer um que queira virar também um MC de frente para a câmera. Os oito gladiadores tiram dúvidas, questionam, explicam um para o outro o que entenderam. E enquanto esperam mais um pouco para começar as gravações, trocam improvisos rimados que instigam ainda mais o ambiente metade criativo, metade competitivo. Se há tensão no ar, há também zoação. Todos se criaram MCs na Lapa carioca, e se você não conhece, bacana…


       Tudo acertado, Dro-P puxa a fila das gravações. Tem que se apresentar para a câmera, para um vídeo aqui do site. Em duas tentativas, fica com a primeira. Improviso, como se sabe, não é mesmo pra ser ensaiado. E assim é com os sete seguintes, a segunda tentativa invariavelmente é a descartada.
       A rodada seguinte de gravações é com os chamamentos dos MCs a você, sentado em casa achando que sabe fazer melhor. Nissin foi um que aproveitou bem a oportunidade para rimar um desafio a quem acha que é fácil se conectar de verdade e ser também um rimador.


       Cumprida mais uma etapa, o tradicional sorteio no boné. O duelo se arma. A primeira dupla a disputar a sobrevivência será Maomé x Tampão, a segunda Nissin x Diego Estrategista, seguida por Loco x Lepô e Sheep x Dro-P + sinistro.
       Maomé e Tampão vêm de importantes títulos no circuito carioca de rimas, mas sofrem as dificuldades de serem os primeiros a experimentar o novo formato. Para começar o tempo mais curto. “É como se fosse uma quadra de basquete pela metade”, diz Aori. O planejamento de cada jogada tem que ser abreviado, não dá pra adiar nada.
       Só para explicar, uma estrofe comum de rap tem dezesseis versos, o que dá em média quarenta e cinco segundos. Portanto, no mundo fora do celular, um racha de MCs tem dois rounds onde se constrói a estratégia de ataque e contra-ataque. Um começa rimando quarenta e cinco e o segundo responde no mesmo tempo. Segundo round, as posições se invertem: o segundo rima quarenta e cinco, o primeiro responde no mesmo tempo. No celular, a regra á a mesma, mas tudo precisa ser mais rápido, então corta-se o tempo pela metade (quase). Vinte e cinco segundos.
       Outra diferença é a postura de cada um. Se no palco sobra espaço para caminhar, dançar, virar as costas, e fazer careta, no celular a tela é o limite. Então, em vez de um encarar o outro e usar o suingue do corpo para desestabilizar o adversário, no celular a comunicação é direta com o público. Olho no olho. A câmera fecha o enquadramento na cara. Nenhuma expressão facial é perdida, qualquer vacilação é notada e julgada.
       Tampão e Maomé levam umas duas tentativas para achar formas de improvisar em cima do formato, que é testado ali na hora. Um pouco de apreensão passa por cada um dos participantes. Assim que se acertam os enquadramentos e as posições de cada um, o duelo começa de verdade. Sem segunda chance, sem tempo pra pensar. Aori dando o ritmo do embate: “Não tem o público presente, então eu tentei ajudar a reproduzir o cenário diante das novas condições”.Tampão-Maomé-Maomé-Tampão. E em seguida, Diego-Nissin-Nissin-Diego, Lepô-Loco-Loco-Lepô e Dro-P-Sheep-Sheep-Dro-P. Flows quebrados, entortadas na tecnologia, batidas perfeitas, e a satisfação de uma nova fronteira atingida e dominada. Todos ansiosos pelo resultado que leva à próxima etapa.


       Um duelo de rimas é a situação em que a música mais se aproxima do esporte. Se em música, não há critérios para o que é melhor ou pior, no racha do free style um tem que sair vencedor pela voz democrática e inclemente do público. Dentro de quadra, não tem empate. Falta agora você assistir e escolher quem é o melhor.