Aliens em Johanesburgo são muito mais do que a melhor metáfora do ano no cinema. Distrito 9 é um filme em que cada elemento merece a desconfiança de que uma imagem vale mais do que uma, duas, várias palavras. Assim como em Matrix, para ficar em uma ficção científica mais ou menos recente, achar referências é parte central da diversão.
            O primeiro longa do diretor Neill Blomkamp é um marco na ficção científica por reposicionar extraterrestres (afinal, personagens mais do que comuns no gênero) na sociedade. Aqui, eles são os imigrantes marginalizados pela incapacidade de se adaptar e pelas necessidades que os fazem competir por espaço e comida com os antigos “fracos”, os negros favelados. Tornam-se um problema social.
            A vilã da história é a Multi Nacional United. Um nome que por si já enche uma cabeça de analogias, uma corporação com áreas de atuação várias e nem sempre claras (pense GE, Disney, Google, Microsoft, Enron ou Haliburton), uma rede de ações coordenadas sem núcleo (uma definição que se encaixa na Al Qaeda ou no Talibã, e na internet), um ente essencialmente sem identidade – muitas nacionalidades unidas, uma ONU capitalista sem tempo para diplomacia, com exército próprio e autoridade garantida por um governo que não se mostra. Um vilão essencialmente 3G, tão anônimo quanto der, tão sem cara quanto possível, mas viralmente espalhado. E só uma provocação: se o filme se passasse nos EUA, dá pra imaginar roteirista que desprezasse um personagem presidente ou um cenário Casa Branca?
            Mas como esse site é de musica, é nela que o texto vai tentar se concentrar. Uma viagem permitiria uma série de aproximações entre o termo “camarões” usado para os ETs no filme e gírias como cucaracha para latinos nos EUA, ou com os próprios camaroneses africanos. Mas há algo de forçação aí. Melhor é pensar como a postura magrela, malvestida e mal intencionada dos aliens tem a ver com as imagens de TV de piratas somalis, personagens que desafiam a realidade tanto quanto um ataque a duas torres gêmeas de avião. Mais, embora a galinha esteja lá quase que como crédito bibliográfico de certa Cidade de Deus, as tomadas aéreas do distrito alien são parecidas mesmo é com as do show milionário oscarizado de certa Bombaim.
            Quer dizer, por mais que a escolha de Johanesburgo e a presença de um comando nigeriano gritem que os aliens são os novos moradores de sowetos, o que não faltam são elementos para mostrar que aquela pobreza é qualquer uma – africana, carioca, indiana, quem dá mais.
            O interessante, portanto, é que em Distrito 9 não cabe nem uma MIA nem um remix de Wilson Simonal. A escolha do som que embala barracos e catações de lixo é a world music mais genérica, pronta a ser confundida com uma new age bem ao estilo Senhor dos Anéis (Peter Jackson na produção é um dado). Ao retirar qualquer traço de localidade da trilha, o filme reforça o universal e, pior, reforça o o quanto uma montagem pode deixar estranhos sons que a gente até já ouviu, e que nem são necessariamente representantes de uma estética esquisita como seria uma Enya ou uma Bjork, pra citar uns cânones mais óbvios.
            Pode parecer um detalhe falar de trilha em um filme de efeitos especiais, reviravoltas e traições de roteiro, sangue de várias cores e implicações políticas e de geoestratégia, mas a ideia do filme é criar identificação e estranhamento. É a dinâmica da narrativa. Sendo que se trata de um filme que opta por uma estética jornalística/institucional de depoimentos pra câmera, pelo menos na primeira metade. Outros que optaram por caminhos parecidos, Bruxas de Blair, Cloverfield, nem tinham música.
      Daí que cada vez que surge um alien no gueto vem aquele som safado de elevador sublinhar, quase despercebido, que segregação tem a ver com desconhecimento, e que discursos liberais sociológicos desaparecem tão rápido que antes que se perceba o filme nem volta a eles. Daí que ao partir para o que há de mais inofensivo na world music, o que talvez seja sem contradição o mais genuíno em world music (afinal, nem é african music nem brazilian ou indian - e que termo mais alienante para classificar o que não é em inglês), a pergunta básica do filme se realize com mais força: quem não é bem-vindo, imigrantes ou corporações?
      Paranoia e subversão com manteiga e sal. De verdade, nada contra.