MV Bill e Caetano Veloso (ou Gilberto Gil e Mano Brown). Dá pra imaginar a cena? Caetano Veloso e MV Bill no palco juntos em um show na Cidade de Deus organizado pela Central Única de Favelas, e o baiano diz que o carioca deveria se candidatar ao Senado. Minha resposta é: sim, dava pra imaginar a cena do último dia primeiro de março. Está no youtube. A política é parte da obra e da trajetória de Caetano e de MV Bill, mas com envolvimentos distintos. Caetano comenta tudo o que lhe perguntam, tem uma preocupação em tratar de temas da sociedade brasileira (e até cubana, americana) para se colocar no mundo e se fazer um artista atual. Não há similar na música brasileira, não me vem à cabeça outro na cultura pop mundial, neste sentido. Bill é um rapper, portanto tem no cotidiano e nas tensões sociais os temas esperados para a arte. Já experimentou a tv e o documentário, fora a preocupação toda com os videoclipes. Mas Bill vai além, e é um líder social, militante de política comunitária (e já tentou criar um partido para a causa negra).
       É interessante ver um tropicalista e um rapper juntos mobilizando uma favela carioca para a política. Há sete anos, quando Lula assumiu o poder, um dos trunfos dele era ter entusiasmado um país a se politizar. Hoje, mesmo quem gosta do assunto está enjoado. O Congresso voltou para mãos antigas e conhecidas: Temer, Sarney, Renan, nomes que formaram o que a esperança ia mudar. O governo não consegue governar sem antecipar eleições que ainda vão demorar a chegar, e a oposição não consegue propor uma proposta alternativa clara. É tanta distração, que não é fácil se concentrar em avaliar o momento atual. E o estímulo para chegar perto do assunto é pouco. Gostar de política está masoquista.
       Bill, à frente da Cufa, tem um interessante trabalho de mobilização para questões políticas pela internet. Não é nenhum Obama, mas já é uma abordagem nova e possível para uma geração que não tem porque acreditar nos partidos políticos como eles existem, nem na representação do Congresso como ela é hoje - distante e com pouca ou nenhuma interlocução que não a imprensa. O Gabeira, na campanha à prefeitura, tinha essa intenção de uso da internet, mas esbarrou na proibição do TSE. Ainda assim, sou cético quanto a um avanço na política online vindo dali. Há uma impressão de que a torcida pelo político do PV é maior do que o jogador. E olha que este, sim, tem chances de ser candidato ao Senado de verdade. Com apoio de Caetano.
       De qualquer forma, o aceno a uma nova liderança para o poder seria uma boa continuação para a presença de Gil no ministério de Lula. A tropicália no poder teria sucessores mais óbvios, mas o hip hop certamente representaria bem uma boa parte dos movimentos sociais urbanos do Brasil, afinal de contas uma das novidades do Brasil do século XXI. Trocamos Igreja, Ligas Campesinas e MST, por algo muito mais disperso e representativo. E Bill é conciliador: lota shows sem aparecer em tv, mas tem canal aberto com o Fantástico para falar de morro.
      Podia ser uma boa para mexer com um país que torce pela recuperação de Ronaldo, cai no papo de que ele é perseguido, e assiste depois uma propaganda em que o atleta se diz Brahmeiro. Opa. Ou, depois de tanto berreiro pelos Simpsons dizerem que tem macaco nas ruas do Rio, achar legal o presidente aparecer como corrupto no Southpark. Opa, opa. Ser chamado de jeca justifica um incidente diplomático entre Brasil e Homer Simpson, mas de ladrão tá tranx, não é ofensa. Olha a política pop aí, e nenhum burburinho sobre o assunto. O Brasil tem o cara, e tem um congresso que na cabeça de muita gente fechado daria no mesmo.
      A provocação de Caetano ao indicar Bill para o Senado não deve ser entendida explicitamente. Para o raciocínio importante agora, a questão não é se é o rapper ou não. A questão é que determinadas cenas da música brasileira atual - ligadas a associações, movimentos e a uma ordem maior da sociedade - são um bom começo para se achar o oxigênio novo que precisa chegar depois de dois governos do ex-sindicalista. Falta consolidar nas instituições de Brasília a ideia de rede que não está sendo televisionada, mas que está se expressando em arquivos digitais auto-publicados e trocados expressamente.
      Mais uma vez, se a música é mesmo a expressão que primeiro manifesta as questões atuais do pensamento de mundo, está na hora de um líder que ouça iPod. Seja ele músico, ou não. Seja ele músico, estadista, carismático, conciliador, negociador, economista e pensador, festeiro, cheio de referências, atento ao processo e fácil de se espalhar pelas redes.
      Não era um sapatênis aquilo que tacaram no Bush, no Iraque?