Mais um textinho dos que eu fiz lá pro Duelo de MCs

       8 Mile estreou por aqui em 2003, cheio de curiosidade por mostrar o ambiente underground onde Eminem surgiu: um moleque branco, cheio de talento para rima e para incomodar, que ainda contava com a produção e o apadrinhamento de um todo poderoso Dr Dre. O filme é justamente baseado (livremente) na vida do rapper de Detroit que agrada a tantos quanto ofende. Tanto o personagem B-Rabbit quanto o ator e inspiração Eminem são retratos da luta pela sobrevivência de um branco sem grana em uma cidade grande.
       A história de Eminem tem episódios de confusão familiar, de trabalhos braçais para bancar o sonho de viver da música e de brigas com a namorada. E é assim também a vida de B-Rabbit, o rapper de 8 Mile. O filme é escuro, assim como são boa parte das capas e das letras de Eminem. Só que não há o espaço para sorrisos, ironias ou zoações. E disso as músicas de Marshal Matters (M&M, eminem em inglês) estão cheias.
       Em Detroit, 8 Mile é uma rua que marca a fronteira com sete cidadezinhas de trabalhadores. Detroit é a cidade das montadoras de carros nos EUA. E é fora de Detroit, do outro lado de 8 Miles, que os operários das fábricas moram, onde os aluguéis são mais baratos. B-Rabbit nasceu lá, e depois de largar a namorada grávida tem que voltar pra casa da mãe para dividir um trailer com ela, o namorado dela e uma irmãzinha.
       O filme não só se passa onde Eminem cresceu, como tem vários MCs de verdade aparecendo nas batalhas, assistindo ou em cima do palco. Aliás, o lugar onde rola o free style, Shelter, existe de verdade. As batalhas não são só importantes para o filme, foram elas que fizeram Eminem virar quem é na vida real. Em 97, ele foi vice-campeão da Rap Olympics MC Battle, em Los Angeles, e só daí é que foi conhecer Dr Dre.
       Mesmo depois de 97, nada nunca foi fácil para Eminem. Se ele tinha problemas com a mãe, depois do sucesso chegou a ser processado. Se brigava muito com a namorada, depois da fama reatou o relacionamento para logo depois sair fora de um jeito nada agradável. E ainda enfrentou um problema com o vício em remédios para dormir. Mas assim como o personagem do filme, Eminem adotou a estratégia de transformar cada fracasso ou obstáculo em rima – em ritmo e poesia. Tudo que dói vira música, a obra é toda autobiográfica.
       Para B-Rabbit, as porradas de todos os lados são também o enredo de cada flow improvisado. A batalha de rimas tem que estar amarrada com a batalha do dia-a-dia, e isso é arte de rua. É por isso que ele chega na final do campeonato de olho no respeito e no prêmio que vão viabilizar a gravação de uma demo desarmando totalmente os rivais do coletivo Free World: “Esse cara não é a porra de um MC/ E eu sei tudo o que ele vai dizer de mim/ Eu sou um vagabundo e eu sou branco/ Moro com minha mãe e durmo num banco/ Meu parceiro é um velho manco/ Eu tenho mesmo um amigo burro, que é o Cheddar Bob/ Ele pegou a arma dele e atirou na própria coxa/ Eu fui juntado por seis de vocês, trouxas/ E Wink comeu, sim, a minha mina/ Mas eu tô de pé pra chutar a Free World pra latrina(*)”. O público de rap vibrou no filme e na vida real. É só perguntar pros oito rimadores do Duelo de MCs e pra todos os que vieram antes deles pelo Brasil.
       8 Mile ainda tirou a onda de ganhar o primeiro Oscar de Melhor Canção Original para um rap na história do cinema, por causa de Lose Yourself.

(*)This man ain’t no mother-fuckin’ MC / I know everything he’s got to say against me / I am white, I am a fucking bum / I do live in a trailer with my mom / My boy future is an Uncle Tom / I do got a dumb friend named Cheddar Bob / Who shoots himself in the leg with his own gun / I did get jumped by all six of you chumps / And Wink did fuck my girl / I’m still standing here screaming “Fuck the Free World.”