crédito: Marcia Feitosa/FOTOCOM.NET
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Quem já foi a algum show do Los Hermanos de 2003 pra cá sabe bem a histeria que se via. Sabe bem a ansiedade dos fãs, a tensão e a catarse explosiva.

Ao contrário do que se podia imaginar, o show de Marcelo Camelo não teve isso. Após a saída de Roberta Sá do palco, o que se via era um clima tranquilo, encontros de amigos que dividem o afeto pela obra dele com quem divide uma visão parecida de mundo - até por isso, são amigos. Reencontros, conversas, mas sem fanatismos. Lógico, quando ele entrou no palco foi aquilo… correria, aglomeração perto do palco, gritinhos, etc.

Em “Téo e a gaivota”, as primeiras palavras foram cantadas, mas por não mais do que 40% da platéia. O refrão “manda me avisar” era mais forte e mostrava que as pessoas têm ouvido o disco “Sou”, mas talvez não estejam ainda entendendo as letras ou mesmo a pronúncia de Camelo, que claramente optou por fazer algo mais difuso, com palavras ditas de forma torta e baixa. O Hurtmold ajuda Camelo a desencontrar o tempo quadrado da música pop. O tempo dele é outro. As deixas, indas e vindas começaram bem parecidas com o que se ouve no disco. Mas ao contrario do que se escuta no mp3, no show o Hurtmold é sempre a banda de apoio e os momentos mais criativos acabam sendo exatamente nas horas em que eles tocam o que não gravaram. A sanfona de “Liberdade” vira um arranjo pop, tal qual “Janta”, que na ausência de Mallu Magalhães, ganha a peculiaridade de se ouvir Camelo cantando em inglês justamente horas depois de o álbum do Little Joy ter vazado na rede. Em “Liberdade” o solo do trompete do canadense de Rob
Muzarek lembra os arranjos de metais dos Hermanos, contornando os fraseados da melodia de Camelo, sempre tão propícia a sopros.

Falando em Los Hermanos, duas são as músicas da banda que aparecem no show. “Pois é” traz Camelo solo ao violão e tem um ar de intimidade, de escutar a canção nua como seu criador pensou. Afinal, as músicas de Camelo no “4” já não eram mesmo músicas para banda. Em “Morena”, por sua vez, o Hurtmold entra e novamente desperta a curiosidade e os ciúmes de alguns órfãos que gritam “Pierrot”. O sofrimento maior vinha da reverberação sem fim que o violão sofria cada vez que Camelo o empunhava, comprometendo completamente as canções. Um som ruim para arranjos tão minimalistas deixaram tudo com cara de que “podia ser melhor”. No fim da apresentação, de pouco mais de uma hora, ele convida a todos a voltarem no Canecão, em dezembro, para o show completo. O que se viu por lá foi um aperitivo, não mais que isso. Mas o prato que Camelo oferece, sem dúvidas, não é dos mais simples de digerir. Para isso, “Copacabana” é um belo de um onrisal e já nasceu clássica.

Quando o show acabou, o Gogol Bordello já quebrava tudo do outro lado da Marina. De qualquer lugar era possível ouvir o esporro vindo de lá. Passei rapidamente para ver um trecho da opera-punk-cigana, que tinha visto há dois anos no Roskilde. A banda no palco me parecia menor do que daquela vez. Fiquei pouco, tinha que voltar para comer algo e assistir o Arnaldo Antunes.

Como disse aqui no sábado, talvez aquela não fosse a ocasião mais adequada para apreciar este trabalho de Arnaldo. E certamente não foi. Já tarde da noite, com sobras de de subgrave das batidas de DJ invadindo o ambiente, hmmm… Definitivamente não é o melhor lugar para se assistir um show com dois violões, um teclado e um cantor que soletra cada palavra. Era preciso muita abstração e eu fui dos que, apesar disso tudo, se propôs essa viagem. Erámos poucos, mas tudo bem conectado. E aí tudo ficou lindo. Arnaldo sorridente, bem disposto fez uma apresentação memorável, para poucas pessoas. Um show que não podia coexistir com o ritmo acelerado do Gogol Bordello, que fez muita gente desistir de fazer a transição de palcos. Foi um arremedo bom, mas pro buraco errado. Um palco que perdeu o mod e não viu a bossa, mas bons aperitivos de trabalhos que fazem mais sentido em shows próprios. Ainda assim, palmas pra Arnaldo e o show mais bonito e inesquecível do meu festival.

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Pode ter certeza: nesses mais de 900 mil que não foram votar ontem no Rio de Janeiro, vão estar alguns dos que mais vão reclamar nos próximos quatro anos. Provavelmente a maioria deles. Para justificar a ausência, basta pagar R$3,50. Mas o preço que isso custa é bem mais alto.

Divida, portanto, suas queixas entre os politicos e todos aqueles que você conhecer que se acham super politizados ao se abster da própria responsabilidade. A culpa é bastante deles.